sábado, 28 de junho de 2008

The Stendhal Syndrome - Pedro Palaia





La Sindrome di Stendhal
Direção: Dario Argento
Itália – 1996

120min






O efeito causado pela exposição excessiva a obras de arte de grande fama ou importância histórica, quando esta se torna patológica e causa alucinações, desmaios e falta de ar, foi chamado pela psiquiatra italiana Graziella Magherini de Síndrome de Stendhal (em homenagem ao autor Henri-Marie Beyle, conhecido por seu pseudônimo, Stendhal, que relatou em seu livro Nápoles e Florença: Uma jornada de Milão ao Reggio, de 1817, sintomas semelhantes aos da Síndrome[1]), ou, mais popularmente (nome dado por Freud) Síndrome de Firenze. O transtorno começou a ser pesquisado com o grande número de turistas internados durante as temporadas de férias na cidade de Florença, Itália. Os sintomas, sempre semelhantes: delírios, perda de memória momentânea e falta de ar. Após o próprio Stendhal, Sigmund Freud narra sua experiência em Atenas, quando, ainda jovem, desmaiou ao subir as escadarias do Partenon. Dario Argento, aos treze anos de idade, viajou com os pais para a cidade de Atenas, na Grécia. Assim como Freud, desmaiou ao chegar na construção antiga. No documentário criado em 2002 sobre seu filme “La Sindrome di Stendhal”, narra a experiência: primeiro, sentiu-se completamente sozinho ante a grandiosidade a a aura do local, teve a sensação de cair, e, na próxima coisa que se lembra, já estava no quarto do hotel onde estavam hospedados, para onde voltara sozinho, sem os pais. Foi levado ao hospital, onde lhe disseram que o desmaio ocorreu devido a uma intoxicação alimentar. Em entrevista, ele diz que já na ocasião, sabia que se tratava de algo mais complexo. Foi essa a primeira inspiração de Argento para o filme. Quando, em 1989, Menenghetti escreveu o livro “La Sindrome di Stendhal”, ele rapidamente adquiriu os direitos para a filmagem, sendo que o produto final foi lançado 7 anos depois, em 1996.

Estrelando sua filha, a atriz Asia Argento, o filme gira em torno da policial de Roma, Det. Anna Manni, que, à procura de um serial killer, vai à cidade de Florença, onde, no museu de Uffizi, começa a ter crises de pânico e perde a memória. Em todas as cenas, Argento usa enquadramentos que remetem a pinturas do Renascimento, com os olhos das pessoas filmadas em primeiro plano, sempre exatamente no centro da tela, deixando um grande espaço vazio acima da cabeça. A fotografia também traz um aspecto diferente à imagem, que lembra um quadro de Rembrandt, nas cenas de suspense, e sempre, ao longo do filme, remete a pinturas antigas, graças às cores, pouco saturadas, fora o vermelho gritante. Durante as cenas de delírio/alucinação de Anna, o filme ganha um caráter surrealista, a citar, a cena em que ela vê uma paisagem, no saguão da delegacia de polícia, e literalmente ‘mergulha’ na lagoa retratada no quadro. Lá, é beijada por um peixe com aspectos humanos. Efeitos especiais de baixa qualidade a parte, a cena mostra elementos oníricos, lembrando um sonho bom que transforma-se, mais tarde, em pesadelo. Remete à trama do filme e às próprias características da Síndrome, uma vez que, segundo relatos, a sensação de se deixar levar pelas obras de arte é, de início, muito relaxante e agradável.

Em “O Sentido do Filme”, Sergei Eisenstein coloca que, por mais intensa que seja a ação, a trilha musical deve apenas acompanhá-la, e atuar como um elemento orgânico (cita como exemplo seu filme Aleksandr Nevsky, na cena da chegada dos soldados à ilha). Um dos aspectos mais interessantes, no entanto, em relação a Síndrome, é que a bela trilha musical, composta por Ennio Morricone, famoso por seu trabalho em Cinema Paradiso (além do compositor, os dois filmes dividem o ator Marco Leonardi, que atua como Totó adolescente em Cinema Paradiso e como Marco Longhi, em Síndrome) e Once Upon a Time in the West, quebra completamente qualquer aspecto natural em relação à imagem que se vê. Nas cenas de delírio da personagem de Anna no museu, ouve-se um tema romântico misterioso, que dá um tom tenso, porém, consciente, racional, não emocional. Essa quebra remete à idéia de que a personagem acredita em seus delírios. A música funciona como elemento de caracterização da imagem subjetiva de Anna, a mocinha assustada e sensível, que se mostra fisicamente, quando ela usa os cabelos loiros, na busca por Grossi, versus sua imagem física, a policial forte, independente. Essa quebra se dá primeiramente quando ela corta os cabelos, no hospital, logo que recupera a memória (com os cabelos curtos, sua imagem masculinizada pode ser lida como a transformação, ou a volta para o que Anna realmente era antes dos acontecidos em Florença, a volta para casa – Roma - ou então uma forma de não parecer fragilizada em relação ao serial killer. Porém, sempre que o tema misterioso do filme toca, remete ao espectador uma imagem dela fragilizada e amedrontada. Como é comum nos trabalhos de Morricone, a trilha contem músicas lindas, que remetem a obras musicais da era Romântica, ao mesmo tempo que não “dita” o suspense, mas o deixa implícito, ou explicitado apenas pelo forte visual proposto por Argento, antes de tudo, um estudioso e fã da história da arte e da psiquiatria moderna.

[1] “Ao sair da Catedral de Santa Croce, senti uma pulsação forte em emu coração. A vida ia se drenando para for a de mim, enquanto cambaleava, temendo a queda” (Stendhal)

Nenhum comentário: