domingo, 29 de junho de 2008

O Sonho de Cassandra - Nataly Callai


Cassandra’s Dream
Direção: Wood Allen
Estados Unidos / Inglaterra / França – 2008
108min




O Sonho de Cassandra é o quadragésimo quarto filme da carreira mastodôntica de Woody Allen no cinema. Há, no entanto, que se esclarecer, depois de quarenta e tantos anos de intensa atividade cinematográfica, de qual Woody Allen estamos falando. Ainda que a fonte dos créditos seja a mesma dos anos 70, EF Windsor Elongated em branco no fundo preto, há uma grande distância entre a neurose personificada em óculos de aros grossos, por exemplo, e o que propõe O Sonho de Cassandra; que mora ao lado de Match Point (2005), em uma estante imaginária que separa, por temática e estética, as obras do diretor. Ambos os filmes, céticos, não oferecem consolo. Um dia Woody Allen já quis ser Ingmar Bergman; obviamente hoje não quer ser Frank Capra.

Em O Sonho de Cassandra, dois irmãos, Ian (Ewan Mcgregor) e Terry (Colin Farrel), precisam de dinheiro. O primeiro, quer impressionar mulheres e investir em negócios, o segundo precisa salvar a própria vida, já que perdeu em apostas um dinheiro que nunca teve. Ian, Terry, e o pai deles, frustram a mãe; que olha com admiração para seu irmão, o tio médico, rico e bem sucedido. O tio seria a salvação dos problemas, se em troca do empréstimo, não pedisse aos sobrinhos que “eliminassem” um inimigo em vias de causar-lhe sérios problemas. Terry é mais hesitante; Ian acaba impulsionando o irmão a fazer o trabalho sujo. Enquanto Ian consegue levar a vida com relativa normalidade depois do crime, Ian não dorme, e se condena pelo que fez todos os minutos de seu dia. A crise Raskolnikov só não é mais densa, pela inaptidão ululante de Colin Farrel. Quando Terry comenta a idéia que teve de se entregar à polícia, Ian tenta dissuadi-lo: o que fizeram não é tão grave assim. Percebendo a impossibilidade da realização de seus projetos, resolve, com o tio, assassinar o irmão. No barco que compraram juntos, o “Cassandra” do título, Ian planeja envenenar Terry. Desiste no último momento. No entanto, os dois discutem, e Terry acaba o matando sem querer. Ao que tudo indica, se suicida logo depois.

Só não é trágico, porque a tragédia abarca a noção do destino traçado, na manipulação da vida dos homens pelos deuses, ou por alguma instância necessariamente maior que eles. O Sonho de Cassandra, e mesmo Match Point ou Crimes e Pecados (1989) parece passar mais pela contingência do que pela providência. Não há nada que assegure que o mal será punido e o bem recompensado; não há nem mesmo noções definidas de bem e de mal. O tratamento do personagem Ian, que demonstra duas vezes o ímpeto assassino, é antes amoral, do que imoral.

Em O Sonho de Cassandra o sol nunca brilha. Nas cenas externas, é possível perceber o céu nublado, escuro e chuvoso. No único momento em que se tem uma iluminação de sol, vêem-se as nuvens ao fundo, carregadas, anunciando a tempestade: justamente momentos antes de Ian conhecer Ângela (Hayley Atwell), uma atriz de teatro que o fará “perder a cabeça”, e que em um momento explícito de metalinguagem, declara (na diegese, se referindo ao seu papel na peça em que atua): “eu sou a personagem que cria a tensão sexual”.

A câmera de Woody Allen não prefere. Dentro do quadro, os personagens estão no mesmo plano. Estão todos no mesmo plano: no mundo; e não há ordem no mundo. O Sonho de Cassandra não diz que vai dar tudo errado, mas lembra que pode dar errado. Ian e Terry estão sozinhos.

Como o céu de O Sonho de Cassandra, este Woody Allen, o mesmo de Match Point, é nublado. Não há mais nada de engraçado na morte. Cabe ainda, como dever de último parágrafo, em um texto que coloca o tempo todo lado a lado os dois filmes, dizer que o Match Point tem muito mais fôlego que este último. Na estante imaginária que organiza as obras do diretor, que já deu grandes contribuições ao cinema, provavelmente O Sonho de Cassandra ficasse mais tímido, em um canto, acumulando pó.