domingo, 29 de junho de 2008

O Tempero de “La Peli” - Nataly Callai




La Peli
Direção: Gustavo Postiglioni
Argentina – 2007
120min





Na última sexta-feira teve fim o décimo segundo FAM, Florianópolis Audiovisual Mercosul. Ao longo de uma semana, tempo de duração do festival, foram exibidos nove longa metragens latino-americanos, em película. Entre um ou dois abortos audiovisuais tupiniquins, e cinema estrangeiro com gosto de nada, está La Peli, do argentino Gustavo Postiglione.

Eis uma breve sinopse: Diego (Norman Briski) é um diretor em crise. Assiste à trechos do filme que está filmando, e se decepciona com o resultado. “Era pra ser um filme político”, que na tela, beira a comédia. Apaixona-se por uma mulher, e começa um relacionamento com ela. Inspirado pela nova musa e pelos sentimentos que ela lhe causa, muda todo o roteiro do filme. Agora é uma história de amor. No frigir dos ovos, ela termina o relacionamento. Ele não tem mais nada. Nem ela, nem o filme. Abandona as filmagens e desaparece. Segundo a descrição no site do FAM: “ele é expulso do mundo real”. O personagem ganha um novo intérprete (Dario Grandinetti) e vai morar na praia. La Peli termina com o reencontro dos ex-amantes. Ele nunca retoma o filme que iniciou.

O cinema sempre gostou de falar de cinema, até aí, nenhuma novidade no fronte. O mérito da narrativa de La Peli, é a construção paralela que o diretor faz entre o filme que vemos, e o filme dentro do filme. Diego mudou o filme que tinha várias vezes, até que resolve abandoná-lo. As mudanças de humor, e consequentemente criativas do personagem, resultam em pelo menos três mudanças significativas no filme que nós estamos vendo: Diego é interpretado por três atores diferentes, e em cada momento, o filme recebe um tratamento diferente. La Peli muda tanto quando o filme que Diego faz, e só consegue unidade porque se justifica em algo que é interno à narrativa.

Na primeira parte, quando Diego ainda insiste em seu filme falido, La Peli é leve e até engraçado. Os relacionamentos do personagem (em sua paixão avassaladora e com uma outra mulher com quem tem um caso) recebem certo tratamento nouvelle vague, fragmentados, com legendas que enunciam às cenas. Postiglioni ainda faz clara referência a Truffaut, em sua “noite (latino) americana”, quando Diego tem um flash back em um cinema que passa uma amostra do diretor francês.

Na segunda parte, a mais amarga e mais fraca, dispensável a história, quando o personagem é interpretado por um ator mais velho, La Peli escurece e agora tem a ver com vingança. Diego sente ódio do homem que sai com a mulher que ele já teve e atira em um crítico que disse algo que o aborreceu.

Na terceira parte, quando Diego é Dário Grandinetti, temos um filme totalmente outro. É um diálogo maçante, que parece durar horas, entre Diego e o seu grande amor perdido. Julia, “um amor que nunca foi”, ainda na primeira parte do filme, menciona que não gosta das obras atuais de Diego, e recomenda que ele volte a fazer filmes sobre pessoas que conversam em uma mesa. Voilà.

La Peli também não resolve, simplesmente acaba. Somos abandonados, assim como Diego abandona seu filme sem final. Mas La Peli continuou quando os créditos subiram, e talvez por isso seja ele o objeto da crítica dessa semana. O filme não é cem por cento bem sucedido em suas ousadias, mas experimenta, provoca. “Matar a Todos” (Stebam Schroeder) e “A Cada Lado” (Hugo Grosso), os dois filmes estrangeiros que o precederam no festival, receberam desta que vos escreve um sorriso amarelo depois das sessões e só. Ao que me parece, não havia nada neles que fizesse com que fosse impossível ignorá-los. La Peli, bom ou ruim, faz cócegas.

Beleza Americana - Lucas Niero



American Beauty
Direção: Sam Mendes
EUA – 1999
121min



Beleza Americana se destaca em meio à produção contemporânea mundial. Não deixa de ser um filme com estrutura clássica do cinema comercial dos Estados Unidos. É um filme com todas as características do cinema de lá, produzido com muito dinheiro, atores famosos e com projeção em todos os cantos do planeta. Críticos e público muitas vezes divergem sua opinião, e diferente do que costuma acontecer nesses casos, existe um acordo entre ambas as partes sobre este filme, a maioria o aprova.

Partindo do ponto de vista do patriarca mal-sucedido Lester Burham, logo no início da projeção somos apresentados a uma cidade, aproximando um pouco mais, vemos um bairro e logo depois uma rua com várias casas com o padrão de vida típico daquele lugar. No início também temos acesso a uma informação importante, sabemos que desde aquele momento o protagonista está morto e que a história do filme narra o seu último ano de vida. O filme não é sobre este personagem, ele é apenas um instrumento que desencadeia uma rede de relacionamentos muito maior. Lester vive com a esposa Carolyn e a filha Jane, as duas o consideram um fracassado, ele mesmo o considera um fracassado. A casa ao lado acaba de ser alugada pela família do Coronel Fitts, composta por ele, a esposa e o filho, Rick. Angela Reyes estuda na mesma escola que Rick e Jane, e é sua melhor amiga. O roteiro avança de acordo com as experiências vividas e de relações constituídas por esses personagens. Lester apaixona-se por Angela, Carolyn trai seu marido com seu maior concorrente na área de corretores de imóveis, Rick e Jane se envolvem e muitas outras relações importantes ocorrem em paralelo.

Beleza Americana é sobre identidade. Identidade de uma família perfeita que ao enxergarmos de perto percebemos o desgaste causado pelo tempo. Identidade de pessoas que não conseguem ser aquilo que representam e identidade de uma nação que exporta seu estilo de viver, mas que olhando de perto percebemos o quão cheio de falhas aquele lugar é. A seqüência principal em que o saco de lixo voa em círculos torna-se ilustrativa nesse aspecto, o momento em que aquela ação ocorre poderia passar despercebido, mas através de um ponto de vista especifico, no caso o de Rick, torna-se importante e belo.

Tudo o que pode ser visto na tela acrescenta algum efeito dramático. Todos os objetos, arte e conjunto de luz ilustram algo que pode ser interpretado nas entrelinhas. A mais óbvia das metáforas diz respeito à flor que do título ao filme, American Beauty é seu nome no idioma original. A flor vermelha e perfeita não possui espinhos e nem cheiro, é uma clara referencia ás pessoas daquele país, ao vazio existencial daquela classe consumidora. A flor está presente em vários momentos, e quando não está, algo no mesmo tom de vermelho remete a sua existência.

A direção de arte ficou encarregada de construir a perfeição, tudo é perfeito, nenhuma folha seca parece imperfeita. A simetria usada em alguns planos também acentuam essa sensação de que tudo está no devido lugar. Em contraponto, o roteiro e a atuação evidenciam as falhas citadas anteriormente. No início, todos os personagens são infelizes, até o momento em que confrontam-se com seus desejos, e mesmo assim não conseguem os realizar. Os enquadramentos e a trilha sonora seguem convenções clássicas, um bom exemplo são as seqüências de Lester em seu local de trabalho. No momento em que ele precisa fazer um relatório para manter-se no emprego, o enquadramento é plongée, isto é, vai de cima para baixo, o tornado inferior ao seu chefe. Já quando ele entrega o relatório e se demite, o enquadramento é o oposto, contra-plongée, vai de baixo para cima fazendo com que ele pareça superior.

Beleza Americana transforma seus personagens de arquétipos a seres mais complexos, exibem uma identidade, uma postura firme, mas ao termino do filme, mostra o que realmente são. A ninfa loira transforma-se em uma virgem insegura, o coronel durão revela sua homossexualidade e olhando mais de perto, presenciamos o sorriso da garota que se veste de preto e está sempre triste. O roteiro é irônico, ao ilustrar outra identidade para seus personagens, metaforicamente ilustra outra identidade para aquela nação.

O Sonho de Cassandra - Nataly Callai


Cassandra’s Dream
Direção: Wood Allen
Estados Unidos / Inglaterra / França – 2008
108min




O Sonho de Cassandra é o quadragésimo quarto filme da carreira mastodôntica de Woody Allen no cinema. Há, no entanto, que se esclarecer, depois de quarenta e tantos anos de intensa atividade cinematográfica, de qual Woody Allen estamos falando. Ainda que a fonte dos créditos seja a mesma dos anos 70, EF Windsor Elongated em branco no fundo preto, há uma grande distância entre a neurose personificada em óculos de aros grossos, por exemplo, e o que propõe O Sonho de Cassandra; que mora ao lado de Match Point (2005), em uma estante imaginária que separa, por temática e estética, as obras do diretor. Ambos os filmes, céticos, não oferecem consolo. Um dia Woody Allen já quis ser Ingmar Bergman; obviamente hoje não quer ser Frank Capra.

Em O Sonho de Cassandra, dois irmãos, Ian (Ewan Mcgregor) e Terry (Colin Farrel), precisam de dinheiro. O primeiro, quer impressionar mulheres e investir em negócios, o segundo precisa salvar a própria vida, já que perdeu em apostas um dinheiro que nunca teve. Ian, Terry, e o pai deles, frustram a mãe; que olha com admiração para seu irmão, o tio médico, rico e bem sucedido. O tio seria a salvação dos problemas, se em troca do empréstimo, não pedisse aos sobrinhos que “eliminassem” um inimigo em vias de causar-lhe sérios problemas. Terry é mais hesitante; Ian acaba impulsionando o irmão a fazer o trabalho sujo. Enquanto Ian consegue levar a vida com relativa normalidade depois do crime, Ian não dorme, e se condena pelo que fez todos os minutos de seu dia. A crise Raskolnikov só não é mais densa, pela inaptidão ululante de Colin Farrel. Quando Terry comenta a idéia que teve de se entregar à polícia, Ian tenta dissuadi-lo: o que fizeram não é tão grave assim. Percebendo a impossibilidade da realização de seus projetos, resolve, com o tio, assassinar o irmão. No barco que compraram juntos, o “Cassandra” do título, Ian planeja envenenar Terry. Desiste no último momento. No entanto, os dois discutem, e Terry acaba o matando sem querer. Ao que tudo indica, se suicida logo depois.

Só não é trágico, porque a tragédia abarca a noção do destino traçado, na manipulação da vida dos homens pelos deuses, ou por alguma instância necessariamente maior que eles. O Sonho de Cassandra, e mesmo Match Point ou Crimes e Pecados (1989) parece passar mais pela contingência do que pela providência. Não há nada que assegure que o mal será punido e o bem recompensado; não há nem mesmo noções definidas de bem e de mal. O tratamento do personagem Ian, que demonstra duas vezes o ímpeto assassino, é antes amoral, do que imoral.

Em O Sonho de Cassandra o sol nunca brilha. Nas cenas externas, é possível perceber o céu nublado, escuro e chuvoso. No único momento em que se tem uma iluminação de sol, vêem-se as nuvens ao fundo, carregadas, anunciando a tempestade: justamente momentos antes de Ian conhecer Ângela (Hayley Atwell), uma atriz de teatro que o fará “perder a cabeça”, e que em um momento explícito de metalinguagem, declara (na diegese, se referindo ao seu papel na peça em que atua): “eu sou a personagem que cria a tensão sexual”.

A câmera de Woody Allen não prefere. Dentro do quadro, os personagens estão no mesmo plano. Estão todos no mesmo plano: no mundo; e não há ordem no mundo. O Sonho de Cassandra não diz que vai dar tudo errado, mas lembra que pode dar errado. Ian e Terry estão sozinhos.

Como o céu de O Sonho de Cassandra, este Woody Allen, o mesmo de Match Point, é nublado. Não há mais nada de engraçado na morte. Cabe ainda, como dever de último parágrafo, em um texto que coloca o tempo todo lado a lado os dois filmes, dizer que o Match Point tem muito mais fôlego que este último. Na estante imaginária que organiza as obras do diretor, que já deu grandes contribuições ao cinema, provavelmente O Sonho de Cassandra ficasse mais tímido, em um canto, acumulando pó.


O Solitário Jim - Klaus Schlickmann





Lonesome Jim
Direção: Steve Buscemi
EUA – 2005
91min






Lonesome Jim é um filme que conta a história da volta de Jim, um jovem que se frustrou ao tentar morar sozinho em uma cidade grande, para a casa de seus pais. A relação familiar é estranha, e por mais que seus pais o recebam de braços abertos - como toda família que se importa - seu irmão tem um pé atrás.

Os diálogos são completamente constrangedores e sempre acabam em silêncio, tendo um ritmo lento e pesado, passando ao espectador uma boa dose de aflição, amargura e solidão, sempre que qualquer um dos personagens abre a boca. Passando sempre insegurança e energia negativa, parece que nenhum personagem é feliz. E de fato, nenhum deles é.

Quando falamos da trilha sonora do filme, rapidamente notamos como é realista, mostrando os ruídos de tudo que acontece em cena, com um volume surpreendentemente chamativo, porém, não exagerado. Os carros passando na rua, os passos dos personagens, os objetos se mexendo, e todos os sons que rodeiam o mundo real são representados de maneira marcada e forte.

Esses ruídos, por vezes dão espaço à músicas, sendo essa, em momentos sendo diegética em lugares como um carro, televisão e bares, e sempre com trilhas alegres e ao mesmo tempo depressivas que contrastam sempre que presentes, nas cenas do filme.

Por meio da música, pode o filme diluir a amargura exalada pelos personagens em meio à tanta depressão e humor negro?

Posso afirmar ser esse o papel da trilha músical de “Lonesome Jim”. Em meio à brigas, armações, constrangimento e solidão, são as músicas com violões e frases como “coisas melhores estão por vir”, que impedem o espectador de cometer suicídio ou deixar a sala de cinema, trazendo uma música que flui com leveza para dentro de nossos ouvidos, bater de frente com a solidão que marca a atmosfera do filme.

Fabulário Geral de um Delírio Curitibano - Lucas Niero





Direção: Juliana Sason
Brasil – 2008
16min





Entre os dias 06 e 13 de junho de 2008 foi realizado o 12º FAM, Florianópolis Audiovisual Mercosul. Evento obrigatório para nós, estudantes de cinema da região. O semestre letivo foi interrompido para que os alunos pudessem acompanhar o festival, e ficou definido que os professores deveriam transferir para aquele local suas atividades. Sábia escolha da coordenação do curso, não faria sentindo manter os alunos dentro de uma sala de aula enquanto era realizado um festival deste porte na área de comunicação. Para a disciplina de Crítica e Ánalise do Filme, ficamos encarregados de fazer uma analise de qualquer audiovisual, seja ele longa ou curta-metragem em 35 mm, animação ou vídeo. A minha escolha foi o vídeo paranaense Fabulário Geral de um Delírio Curitibano, dirigido por Juliana Sanson e com Patrícia Saravy no papel da delirante.

O vídeo inicia com o acordar da garota, levanta cambaleando, a noite anterior foi animada e ela não lembra de muitas coisas. Muitas duvidas surgem em sua cabeça, questiona-se sobre um possível acompanhante, mas não lembra de nada. Surge também uma frase que repete várias vezes em sua mente: A mulher do Machado, ficou inchada e foi-se. Ainda de ressaca, a garota sai do apartamento. A frase ainda a persegue. Ela anda sem rumo pela cidade com a frase na cabeça. Ela é assaltada na saída do ônibus, e mesmo assim a frase insiste em aparecer.

“A mulher do Machado, ficou inchada e foi-se” repete freneticamente nos pensamento da garota, que começa a enxergar o Machado e sua esposa inchada a perseguindo pelo centro de Curitiba. Em um café, ela encontra sua vizinha do andar de baixo, ela nem a conhece, e a vizinha que também é a atendente fala que sempre ouve ruídos do apartamento dela. Pergunta então se ela tinha ouvido algo na noite passada, a atendente fala que não. Fica aliviada por não ter feito sexo com o tal acompanhante.

A frase a persegue involuntariamente, pára de pensar nela somente quando outro delírio se sobrepõe, agora ela pensa em uma relação entre os cafés expressos e os antigos ônibus expressos de Curitiba que agora são chamados de bi-articulados e não mais de expressos. Ela se sente bem sem saber por que, isso até alguém entrar no bar e cumprimentar um homem chamado Machado. Histérica, ela sai do bar nervosa, perseguida pelo Machado e sua esposa inchada.

A composição da personagem se dá a partir do psicológico da garota, principalmente com o auxilio da narração de seus pensamentos. O vídeo concentra em sua totalidade o ponto de vista distorcido da protagonista, ela está de ressaca, e pensa como uma pessoa de ressaca, as coisas passam a fazer sentido de maneira diferente, pequenas relações entre coisas do dia-a-dia são suficientes para desencadear uma longa discussão filosófica sobre o assunto.

O roteiro poderia acontecer em qualquer lugar do mundo, mas o regionalismo está fortemente fundamentado na cultura urbana de Curitiba. Sabemos agora de lugares movimentados e costumes da cidade sem mesmo conhecê-la. Curitiba é a personagem coadjuvante do vídeo, a relação entre o espaço urbano e a mente delirante da protagonista se confunde, é uma relação onde os dois fatores influenciam entre si. Mas o maior acerto do vídeo é o seu tom cômico. A mistura de uma frase estranha, uma mente conturbada de ressaca e uma cidade cheia de peculiaridades transformam essa história em uma comédia eficiente.

Réquiem para um Sonho - Klaus Schlickmann





Requiem For a Dream
Direção: Darren Aronofsky
EUA – 2000
102min






O filme nos conta a história de três adolescentes que se perdem sem moderação no uso de drogas ilícitas e traça um paralelo com outros tipos de vícios. É uma experiência completa em um lugar onde nada é moderado.

Aos primeiros minutos de “Requiem For a Dream” já nos sentimos em um filme diferente. A força com que o cenário e os atores interpretam seus personagens nos distanciam dos espaço fílmico, nos tranca em um aquário dentro mundo mágico do cinema.

As cenas onde haveriam o consumo de drogas ilícitas deram lugar a imagens microscópicas e closes das substâncias de forma a ilustrar a cada vez que são consumidas, com exatamente as mesmas imagens. O teto dos cenários vaza e nos revela o estúdio por trás da produção, junto com o BUM que aparece em meio aos diálogos como se fosse mais um dos personagens. Os objetos que se mexem padecem da idéia de apenas integrar a arte e preencher o enquadramento, mas passam a atuar, interagindo e conversando com os personagens de forma fantástica e macabra.

Toda essa mise-em-scène parece nos fazer viajar não para dentro do filme, mas para o set de filmagem, ao nos revelar o estúdio em meio aos momentos em que mais imergimos no enredo, podemos perceber que tudo que está presente, é em nome da dramatização da história e da arte.

Beleza Americana - Fernanda Amaral Silveira


American Beauty
Direção: Sam Mendes
EUA – 1999
121min




"Olhe bem de perto"... Esse subtítulo do filme, que aparece na capa, já nos dá uma idéia do que fazer ao ver o filme e o que fazer na vida. De perto ninguém é normal. Especificamente o povo norte-americano, o qual retrata o filme. Ele quebra com a fantasia, a utopia que é o "american dream", aquela idéia de que tudo é perfeito, a família é perfeita, e desmistificar a frase "para se ter sucesso, deve-se projetar uma imagem de sucesso o tempo todo".


"Beleza Americana" é fantástico ao mostrar primeiro a imagem que a pessoa passa ou quer passar, e depois o "verdadeiro eu" dessa pessoa. Mostrando a complexidade e a beleza de cada personagem. Esses personagens quando os vemos pela primeira vez podemos até pensar que são apenas fictícios, parte de um filme, ou da cultura americana e nada mais. Mas se formos analisar, "olhar bem de perto", perceberemos que eles se parecem com todos nós, com o povo brasileiro e outras culturas também. A hipocrisia que vive a nossa sociedade. O tempo todo nos preocupamos em mostrar uma imagem de sucesso, pessoas felizes, e, no entanto a maioria amarga uma vida estressada, nada parecida com a imagem que quer projetar, e muitas vezes infelizes.


O filme ainda pode ser considerado recente, é de 1999, e condiz com a nossa atual realidade.


"Beleza Americana" gira em torno do personagem Lester Burnham, vivido pelo ator Kevin Spacey, que atuou esplendorosamente, e inclusive recebeu o Oscar de Melhor Ator. O filme começa já falando que falta menos de 1 ano para ele morrer, e mostra as situações bizarras que aconteceram na vida dele e das pessoas ao seu redor. Cenas não só bizarras, mas intensas, reflexivas, e contraditórias.


Figuras como um fuzileiro naval reformado, pai de família, e gay enrustido; uma mulher que vende imóveis, é dona de casa, é mãe, todo o tempo pensa e quer ser perfeita, e no final se mostra uma pessoa completamente insegura e infeliz, com o casamento desmoronando; um filho maltratado pelo pai, que faz o pai acreditar que ganha dinheiro honestamente como garçom em bufês quando na verdade ganha a maior parte do seu dinheiro vendendo maconha; uma adolescente revoltada, que sonha em fazer cirurgia plástica nos seios, e tem nojo do próprio pai por ele "dar em cima" de suas amigas; uma adolescente que faz uma imagem de que é muito linda e de que todos a desejam, fica falando de todas as suas transas para todo mundo, quando no final se descobre que é virgem e insegura; faz do filme, algo misterioso, intrigante, que nos faz ficar curiosos do começo ao fim em saber o que farão, quem são eles, o que vai acontecer entre eles.


Curioso também é a fantasia, o desejo que tem Lester Burnham em relação à amiga de sua filha Jane, a Angela Hayes. O filme encena suas fantasias e mostra ao público toda a emoção do momento. Cada vez que isso acontece, aparecem pétalas de flores vermelhas caindo, saindo de sua boca, cobrindo o corpo de Angela etc. A fotografia do filme é incrível, principalmente por conta dessas cenas de fantasia de Lester Burnham.


Uma curiosidade: American Beauty, que é o nome original do filme, em Inglês, é o nome dessa flor que aparece, e ela não tem cheiro nem espinhos. Os produtores a usaram como analogia ao vazio que é o estilo de vida típico americano.


A frase dita no título desta crítica, "nunca subestime o poder da negação" é falada no filme, para explicar como as pessoas negam a si mesmas aquilo que não querem ver ou aceitar. Só vêem o que querem ver. Só ouvem o que querem ouvir. As pessoas acham que são de determinada maneira porque passam a acreditar naquela maneira que estão tentando viver, e não quem realmente são. No filme isso fica bem claro.


Apesar de criticar em cheio o orgulho do povo norte-americano, ele ganhou 5 Oscars, incluindo Melhor Filme, e está na lista dos 10 filmes mais queridos dos Estados Unidos da América. Uma contradição? Uma parada de reflexão? Uma mudança? Ou somente que o resultado da pesquisa mostra e comprova que os norte-americanos são realmente como no filme, e eles se identificaram com isso? Bem, isso é algo a se pensar...