quarta-feira, 25 de junho de 2008

Saliva - Lígia Ferraz


Saliva - Lígia Ferraz
Direção: Esmir Filho
Brasil - 2007
15min



Que Esmir Filho desenvolve bons personagens, isso já se sabe. Saliva (2006) é só mais uma prova da capacidade desse diretor de curta-metragens. O filme conta a história de uma menina que vai beijar na boca pela primeira vez. Até aí não parece ter nada de inovador, tampouco de criativo, mas o que Esmir consegue fazer é mais que só contar uma história simples: ele faz o espectador sentir tudo que a menina sente, e quase literalmente. Ela sente um nojo profundo da baba que é trocada na hora do beijo, mas ao mesmo tempo sente a necessidade de não ficar atrás das amigas que já beijaram e só falam disso.

O filme é sensitivo. Nos faz mergulhar naquele mar de saliva, entrar na cor rosa-choque do celofane e entendê-la perfeitamente; como na cena em que ela vê as amigas treinando um beijo de língua, cada uma com um objeto diferente e exótico para esse tipo de exercício. E na cena em que a amiga tenta treinar com ela um beijo, e coloca o celofane entre elas. O celofane além de criar essa barreira física – que não livra da sensibilidade total – entre o mundo dos “BV” e dos não “BV”, causa um impacto estético no filme pela força do rosa-choque.

Além da força desse colorido, há também o contraste com o transparente. A cor principal da Saliva tem um poder estético, como na primeira cena do filme, no qual a protagonista, tomando banho, beija o vidro do box. E na cena em que ela põe a palma da mão do lado seco de um vidro que escorre água, como uma cascata. É possível sentir e ver a textura da mão e da boca nos dois vidros, e do impacto visual que isso causa.

Outro aspecto importante na criação da sensitividade do curta é a câmera quase sempre em close ou em plano detalhe. Os olhos e a boca da menina são os protagonistas do curta, é a partir dele que entendemos o que passa pela sua cabeça. A câmera, literalmente, mergulha dentro das angústias e sensações dela, como na cena em que ela beija o garoto ruivo e ambos estão com os pés “afogados” na saliva, e na cena em que ela está desnorteada dentro de uma piscina.

O filme deixa o espectador estático. O impacto da simplicidade da história; das cores do celofane, do vermelho da roupa, do azul do olho da protagonista e da piscina; e da aproximação que a câmera faz do espectador com os personagens nos deixa hipnotizados. Ficamos submersos no mundo das confusões dessa pré-adolescente. Saliva nos faz ficar com a respiração presa, até porque, aquele que recuperar o fôlego antes do final, corre o risco de se afogar.

Com significados coerentes à proposta do filme; uma construção bem pensada da mise-en-scène, dos personagens e de outros artifícios cinematográficos; se consegue uma conexão entre o público e o filme. Saliva não é um filme comercial, mas mexe com qualquer pessoa que pára pra assisti-lo, e só esse fato já desperta a curiosidade em outros espectadores. O curta nos prova a capacidade de realizar bons audiovisuais baseado em histórias simples. É possível viajar, mergulhar e se deliciar em um roteiro simples, mas de uma maneira singular e diferente. A forma que a câmera conduz tudo, é indescritível, nos toca e nos comove de uma maneira que muitas vezes faltam palavras, mas sobram sensações.

Nenhum comentário: