terça-feira, 24 de junho de 2008

Café com Leite - Pedro Palaia


Direção: Daniel Ribeiro
Brasil - 2007
18min



O início da projeção do filme deu-se com uma cena de sexo, ou melhor, o fim de uma cena de sexo. Os dois jovens despedem-se e um deles vai embora. Um filme que retrata uma relação homossexual é um “filme gay”? O que é um filme gay?

Marlene Dietrich, de fraque e cartola, atira uma rosa para uma moça da platéia e a beija nos lábios, em Morroco, de Sternberg, 1930. O cinema marginal pré-Hitler alemão já tinha diversos títulos referentes à homossexualidade e à cultura gay. “Diferente dos Outros”, de Richard Oswald e “Senhoritas em Uniforme”, de Leontine Sagan foram alguns exemplos. Ainda assim, em termos de estética, ambos seguiam o cinema dito “héterossexual” da época.

Em 1964, Susan Sontag escreveu um de seus mais famosos ensaios, “Notes on Camp”. Sendo Camp o gosto por elementos, pessoas ou obras de arte de caráter exagerado e irônico, ou então que tenham se tornado exagerados e irônicos com o passar do tempo, a citar: Ballet clássico, óperas, quadrinhos de Flash Gordon e La Lupe. A partir deste momento, nasceram: o artigo “campy”, que é referido a elementos Camp, e toda uma cultura Camp underground. John Waters, Boy George, Liberace e Divine se tornaram a fina flor do star system Camp, que já começava a ser levado às últimas conseqüências, e, gradualmente, passa a se tornar uma espécie de mau-gosto gay cultuado (vide Pink Flamingos). Nos fim dos anos 70, início dos 80, o Camp volta ao cinema com o kitsch de Almodóvar, estravagante e colorido. Seu estilo foi seguido por “filmes gays” ao longo da próxima década (Priscilla, A Rainha do Deserto, A Gaiola das Loucas, etc.). O cinema Camp seria, então, a primeira estética gay cinematográfica. Essa estética, no entanto, é usada até hoje. Tomemos como exemplo da evolução do Camp, filmes como Party Monster, de Fenton Bailey, baseado no original Disco Bloodbath, de James St. James, como a evolução do estilo.

“Café com Leite” não é campy. Não como, aliás, grande parte dos filmes brasileiros com temática gay, que apropriam-se dessa ‘estética’, dita ‘gay’, uma vez que já foi apropriada anteriormente por outras obras de arte do mesmo gênero. Entre os curtas nacionais, porém, tenho acompanhado muitos recentes, que abordam relações homossexuais de forma mais sutil, o suficiente, para que não mais sejam mostradas ‘relações homossexuais’, ou ‘relações heterossexuais’, e sim, ‘relações’. O que me interessou em ‘Café com Leite’, na única vez em que o assisti, em uma sala de cinema, foi o quão profundamente essas relações são abordadas.

Os conflitos entre Danilo e Marcos já existiam antes da cena inicial, e remetem à sua relação com os pais, e à viagem que planejam fazer juntos. Com a morte deles, Danilo passa a cuidar do irmão, Lucas, mais novo e aprende (claro, com o passar de algum tempo) a viver com isso. Marcos também passa por um processo de adaptação, em que o namorado não pode visitá-lo ou passar muito tempo com ele, dadas as novas condições. Ao fim, Lucas também passa por um processo. Não de adaptação à homossexualidade do irmão, como fica implícito no início do filme, mas de ensinar o irmão a ser a pessoa responsável pelo bem-estar dele.

Em conclusão, “Café com Leite” não se propõe a ser um filme gay, não apenas por não se enquadrar na estética associada a esse ‘estilo’ (se é que se pode chamar assim), mas pela simples razão de a homossexualidade não estar no centro da narativa. É um filme sobre relações afetivas e, principalmente, um filme sobre processos de adaptação, dos créditos iniciais, que aparecem apenas após a morte dos pais, até os finais, que aparecem enquanto os irmãos tentam descobrir quanto tempo o leite demora para ficar morno no microondas.

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