sábado, 28 de junho de 2008

As Diabólicas - Nataly Callai



Les Diaboliques
Direção: Henry-Geroges Clouzot
França - 1955
114 min



Sobre o som do filme que Hickcock não fez.

As Diabólicas é um filme realizado na França, dirigido por Henry-Georges Clouzot, estrelado por Simone Signoret, Véra Clouzot e Paul Meurisse, baseado em um romance de Pierre Boileau e Thomas Nacejac, lançado em 1955; hoje, 2008, ocupa a centésima quadragésima terceira posição no ranking dos 250 melhores filmes do IMDB. As Diabólicas é, também, o filme que Alfred Hichcock quase dirigiu.

Um triângulo amoroso dentro de uma escola. O diretor, Michel Dellassale, é um homem vil, casado com Cristina, a típica professorinha, condescendente e servil; e amante de uma outra professora: Nicole, calculista e independente. As duas estão cansadas do jeito pelo qual são tratadas por Michel, sempre autoritário e violento. A primeira solução que passa pela cabeça dos personagens em filme de suspense: ele precisa ser morto. Afogam Michel em uma banheira, e depois jogam o cadáver na piscina da escola. Passam-se um, dois, três dias, e o corpo não sobe. Não há nenhum indício de que ele está ali. Esvaziada a piscina, as suspeitas se confirmam: o corpo de Michel foi retirado. No decorrer da narrativa, a pergunta passa de que “quem o fez?” para “ele estará vivo?”. Com o perdão de Clouzot, que pede aos espectadores, no final do filme, para não serem diabólicos contando como a história termina, eu entrego: ele estava vivo, tudo não passava de um plano de Michel e da amante para se livrarem de Cristine. Quando ela descobre que seu falecido marido na verdade não morreu, ela, que já não ia bem do coração, morre, no susto. No entanto, o filme ainda deixa a dúvida se ela está realmente morta.

A tensão do suspense é frequentemente alcançada no cinema com um empurrãozinho da trilha musical, do som extra-diegético pontuando cada susto. Vide o recurso de ir aumentando a música até o talo, e pará-la bruscamente na resolução do mistério, utilizado a exaustão em Hollywood. Pode-se dizer, sem hipérbole, que existem filmes que usam desse recurso como condição primária para ser. Não seriam suspense sem isso, porque o suspense, a rigor, está somente na trilha.

As Diabólicas é, ainda hoje, eficiente, porque não delega ao som essa responsabilidade grandiloqüente de criar a tensão, que, recomenda-se, deve ser divida com a montagem, mise-en-scène, e etc. A tensão de As Diabólicas se faz perceber através dos diversos meios de expressão do discurso fílmico, por essa razão, é permitido ao som que opere sutilmente dentro dos planos.

As Diabólicas se utiliza de trilha musical, somente nos créditos, finais e iniciais. No desenrolar da narrativa, as cenas são povoadas de ruídos, utilizados muitas vezes de maneira perturbadora. Como a torneira que enche de água a banheira em que as mulheres pretendem afogar Michel, a sineta da escola, ou mesmo as crianças que brincam, cantam, ou tomam lições. A cena em que Cristina pede o passado dos verbos em inglês a uma turma de alunos, e ao mesmo tempo observa pela janela a piscina, preocupada com o suposto cadáver, é exemplar dessa tensão: a repetição do coro dos alunos, que quase não aparecem, vai se tornando incômoda na medida em que ela se aproxima da janela e vemos o nervosismo em sua expressão. A tensão já estava ali: um assassinato, o “pecado”, convivendo lado a lado com as crianças, “a pureza”; reforçados pelos conflitos morais da personagem, que se sente culpada pelo que fez; a escola lhe lembra quem ela é, e deveria continuar sendo: a professora de colégio, que nunca cometeria um assassinato.

A trilha sonora de As Diabólicas é comedida, no entanto, notável. Fica no plano da curiosidade como Hichcock teria feito soar essa história, um diretor também reconhecido por explorar criativamente as possibilidades do som do cinema. Ainda: como Hichcock chegou tarde para comprar os direitos do que se tornou As Diabólicas, os autores escreveram para ele uma outra historinha, que ele adaptou em seguida, e acabou virando um filme que talvez alguém ainda lembre, chamado Um Corpo que Cai.

Nenhum comentário: