quarta-feira, 25 de junho de 2008

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças - Lígia Ferraz


Eternal Sunshine of the Spotless Mind
Direção: Michel Gondry
EUA – 2004
108min




Joel acorda com uma terrível dor de cabeça. Estranha o pijama novo e vai para o trabalho. Repara um enorme arranhão no seu carro e culpa o carro vizinho. Em um impulso, e sem entender sua própria atitude, falta o trabalho e pega um trem para Montauk. Assim começa Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004).

Podemos perceber pela equipe, que esse filme não é mais drama comum: ele é constituído por um diretor no qual fez muitos videoclipes da Björk (Michel Gondry); por um roteirista (Charlie Kaufman) que escreve estórias bizarras e inventou o andar sete e meio, e por um ator (Jim Carrey) tipicamente de comédia que se entregou nesse drama alternativo.

Brilho Eterno conta a estória não-linear de um casal de namorados, que vive uma relação ao mesmo tempo singular e convencional. Após Joel descobrir que Clementine o apagou de sua memória, ele imediatamente vai à mesma clínica fazer o mesmo procedimento: esquecê-la de vez. Porém, durante o processo, ele “desiste” da idéia de apagá-la, mas já é tarde e a única saída que encontra é lutar contra sua mente e suas memórias.

A estória é contada a partir dessas memórias que estão sendo apagadas. Tem seu discurso baseado, antes de tudo, nas relações amorosas. Quem nunca pensou em apagar para sempre as lembranças ruins e ficar só com aquilo que nos fez bem? Clementine no seu maior impulso, só não pensou como fez. O discurso, na verdade, se revela no próprio título. Enquanto Joel revive os momentos que teve com a namorada, dentro de sua mente, o espectador passa a entender os detalhes da relação e vai os conhecendo melhor.

O curioso do filme é a “metáfora explícita” do processo não-linear da memória humana com o próprio veículo usado para mostrar essa loucura imaginativa: o cinema. Ele nada mais é que a própria máquina de fazer e apagar lembranças, de controlar o tempo da maneira que lhe convém. Brilho Eterno não só fala como se apropria disso, utilizando o tempo não cronológico para explicar a doce história desse casal.

Muitas vezes o espectador fica perdido e confuso com o que acontece durante o filme, especialmente no começo. A forma ambígua e particular que o filme nos é apresentado faz o espectador se colocar na posição de Joel, literalmente. Como se durante o filme estivéssemos submetidos ao processo de apagar tudo da memória e ver o quão burra foi essa decisão, e que somos construídos a partir de erros e acertos.

O que faz este filme ser apaixonante é justamente o fato de o espectador se identificar com os personagens, com esses sentimentos, crises e vontades que da forma mais explícita à mais íntima e singular, todos nós já sentimos. Dentro de cada um existe um pouco de Joel e um pouco de Clementine. Talvez por isso criamos uma grande empatia por Joel: nós entendemos a decisão dele de querer apagar Clementine da memória por vingança, e entendemos mais ainda a vontade dele de querer desistir do processo.

Uma das cenas mais bonitas e mais sensíveis do filme é quando o casal está embaixo do edredom. Ela conta que tinha uma boneca feia chamada Clementine e chora ao falar da solidão de ser uma criança. Ela pede que Joel nunca a abandone, e enquanto ele a beija dizendo que ela é linda, Clementine some da cena e Joel a procura ansiosamente pedindo “Dr. Mierzwiak, por favor, me deixe guardar essa memória”.

Ao revelar que o casal na verdade já foi namorados e que a primeira cena dos dois juntos é na verdade o “segundo primeiro encontro” deles, causa um sentimento curioso e uma reflexão profunda não só quanto ao amor, mas em relação a qualquer coisa da vida: o que é para acontecer, irá acontecer. O filme cria uma esperança em relação àquilo que um dia não deu certo, mas que no fundo gostaríamos que tivesse dado.
Falando desse modo parece clichê e piegas, e de certa forma não deixa de ser.

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças é um filme sobre os sentimentos e suas particularidades, sobre as pessoas e seus relacionamentos. Cada qual com um jeito de expressar, de assumir ou de querer fugir daquilo que sente. Em um aspecto reflexivo, o filme é provocador quanto à quem somos e o que queremos levar de nossas vivências. E assim como o próprio cinema faz, é também sobre a possibilidade de controlar nossas memórias, de ir e voltar no tempo da imaginação e da lembrança a hora que nos convém. É um filme poderoso, criativo, altamente sensível e íntimo, pertencendo “exclusivamente” a cada um dos espectadores.

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