terça-feira, 24 de junho de 2008

The Girl who Knew Too Much - Pedro Palaia


La Ragazza che Sapeva Troppo
Direção: Mario Bava
Itália – 1963
92min

O gênero (ou, mais precisamente, um sub-gênero) Giallo, em cinema, nasceu a partir das pulp fictions italianas do início do século XX, que receberam esse título graças às capas amarelas das publicações. Estas "importavam" thrillers literários de escritores de crime e mistério, como Agatha Christie e Edgar Wallace, para citar exemplos célebres.

O gênero cinematográfico explodiu na Itália graças ao cineasta Dario Argento, e seu O Pássaro das Plumas de Cristal (L'Uccello dalle Piume di Cristallo) de 1970. Porém, sabe-se que o pioneiro do gênero, apesar de Obsessão, de Luchino Visconti, encontrar-se cronologicamente adiantado (por tratar-se de uma refilmagem de The Postman Always Rings Twice), é The Girl Who Knew Too Much, de Mario Bava, clara referência a O Homem que Sabia Demais, de Hitchcock, estabelecendo, como no caso da literatura, um forte elo com a cultura anglo-americana (elo esse que permanece, uma vez que os filmes passaram a ser realizados "tipo exportação", por isso, é comum encontrar personagens com nomes ingleses, interpretados por atores B americanos, em Roma ou Torino, e mexendo os lábios em inglês, apesar da dublagem italiana, enquanto os demais personagens falam italiano - é interessante ressaltar que os filmes normalmente eram rodados sem som direto, ou seja, os atores principais "se dublam" na versão internacional e todos os outros atores, na versão italiana). Como outras realizações de Bava, The Girl contém elementos de humor e romance, apesar do thriller, e não como outros filmes mainstream da época (excluindo Hitchcock). Para a versão americana, como era comum na época, os produtores da AIP, que lançou o filme internacionalmente, promoveram o filme como um horror sobrenatural a la The Haunting, de Robert Wise e The House on Haunted Hill, de William Castle, entitulado The Evil Eye, e removendo todo e qualquer conteúdo humorístico ou de auto-paródia inserido por Bava.

Na primeira cena, vemos a personagem Nora (interpretada por Leticia Roman) sentada na poltrona de um avião, enquanto lê um giallo e sendo introduzida pelo narrador em voice over, como uma jovem que viaja a Roma não a passeio, mas para tomar conta de uma amiga de sua mãe, que está doente. Nora veste um casaco cuja textura remete à da pele de uma cobra, nota-se um olhar amedrontado em relação às presenças masculinas ao seu redor. Implicitamente, o filme trata-se da passagem de uma jovem, de início virgem, inocente para, ao longo da trama, quando exposta aos "horrores" do cotidiano de uma cidade grande, a violência e a psicose, tornar-se adulta. Em conclusão, o filme trata, subtextualmente, da perda da virgindade e da transição para a idade adulta.

Em sua primeira noite em Roma, Nora não apenas presencia a morte da amiga de sua mãe, por causas naturais, como também um assassinato em plena Piazza di Spagna, um ponto turístico da cidade, a seqüência-chave do filme. No dia seguinte, no entanto, Nora é encontrada pela polícia e considerada louca, uma vez que não existem registros de crime no local. Bava utiliza o recurso de "turista" ignorada pela polícia, como em O Homem que Sabia Demais e The Lady Vanishes, de Hitchcock, tendo que encontrar o responsável sozinha, recebendo a ajuda do Dr. Marcello Bassi (pelo galã americano John Saxon, que regressou ao gênero em 1982, com Tenebre, de Dario Argento), em quem ela não confia completamente, por ser um homem. Mais uma vez o filme deixa implícito o medo e a tensão sexual em relação aos homens (em várias cenas, parece ao espectador que o Dr. Bassi vai tentar atacá-la, graças à mise en scéne e as posições de câmera). Tudo o que sabemos da trama é o que sabe a personagem principal, em algumas ocasiões, deixamos de confiar no personagem de Saxon ou na polícia, e mais adiante mudamos de idéia. Em uma das cenas mais antológicas do filme, Nora, com medo de ficar sozinha, constrói um sistema de alarme caseiro que consiste de talco e barbante de tricô envolvendo os móveis da casa (Martin Scorcese baseou-se nessa cena para uma seqüência de O Cabo do Medo). Porém, as expectativas de Nora são revertidas no clímax, quando o assassino é revelado como sendo, não só uma mulher (lembrando o pavor implícito de Nora em relação aos homens no início do filme), mas Laura (Valentina Cortesi), a única personagem em que Nora confiava até então. Ela é salva pelo marido de Laura, que, descobre-se, é também o homem que ela acreditava ser o assassino da Piazza de Spagna no início da trama.

Não como os giallos posteriores, The Girl Who Knew Too Much apresenta um caráter auto-reflexivo, de reconhecer os clichês do gênero literário e utilizá-los de forma bem-humorada e sarcástica, trazendo cenas de violência mais sutis. Foi o segundo e último filme de Bava a ser realizado usando a paleta monocrômica, de forma sombria e densa, lembrando um film noir.

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